
Crítica — “Thunderbolts*” acerta ao fazer dessas figuras rengeadas indivíduos enfrentando suas batalhas mais íntimas
4 min.
01/05/2025
Guilherme Salomão
Explorar um lado oculto dos super-heróis, a partir de figuras renegadas que escapam do glamour e das cores tradicionais de ícones mundialmente conhecidos, não é uma grande novidade, dado o retrospecto recente das produções audiovisuais desse subgênero. Dito isso, Thunderbolts*, a mais recente produção do Marvel Studios, vem se juntar a Esquadrão Suicida e The Boys quando o assunto é essa desconstrução.
O filme reúne um grupo de personagens B da Marvel. Na trama, os anti-heróis Yelena Belova (Florence Pugh), Bucky Barnes (Sebastian Stan), Guardião Vermelho (David Harbour), Fantasma (Hannah John-Kamen), Treinadora (Olga Kurylenko) e John Walker (Wyatt Russell) formam um grupo de desajustados descartáveis que, pegos numa armadilha pela diretora da CIA Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), se veem obrigados a embarcar numa missão que os fará confrontar diretamente seus maiores traumas e questões do passado.
No geral, Thunderbolts é um ganho bastante considerável, dado o retrospecto atual do Marvel Studios. Dirigido por Jake Schreier, o filme surpreende por conseguir se divertir com seus personagens, mas também saber levá-los a sério quando necessário. A dinâmica e a química entre eles é interessante, com todo o elenco (com destaque para Florence Pugh) estando na medida em seus respectivos papéis. O humor, por sua vez, funciona, e, em seus momentos mais dramáticos, a ideia é fazer do todo uma grande sessão de terapia dessas figuras renegadas lidando com seus passados traumáticos, arrependimentos, erros e uma busca incessante por redenção.
A partir disso, apesar de o filme não fugir de certos vícios dos outros filmes da Marvel — principalmente as cenas excessivamente escuras —, há propostas visuais que funcionam melhor aqui. As cenas de ação, por exemplo, estão mais bem coreografadas e são bem mais interessantes que as vistas em Capitão América: Admirável Mundo Novo (2025). A fotografia, por vezes acinzentada demais e com a ausência de cores vibrantes, dessa vez até faz sentido em algumas passagens — principalmente quando a ideia é justamente transmitir esse clima mais melancólico que permeia esses heróis. São bons exemplos disso toda a abertura do longa, onde, num momento específico, vemos apenas a silhueta da Yelena Belova de Florence Pugh e seus oponentes em combate mano a mano, filmado num longo plano zenital; ou as sequências em que revisitamos os cenários da batalha de Os Vingadores (2012) em Nova York, em que sai o clima ensolarado e as cores vivas dos heróis clássicos no filme dirigido por Joss Whedon para dar lugar ao pessimismo dos Thunderbolts.
Outro ponto positivo é como o filme de Schreier, com roteiro de Eric Pearson, consegue amarrar muito bem os seus temas e as histórias de cada um dos protagonistas. A presença de Valentina de Fontaine, interpretada por Julia Louis-Dreyfus, por exemplo, é fundamental e se encaixa de forma interessante na trama, já que ela é basicamente quem conduz, por meio de suas manipulações políticas, esses indivíduos a se encontrarem — como se eles fossem, desde o princípio, vítimas de uma mente manipuladora que os enxerga como serviçais descartáveis, mas que no fundo não se difere muito deles, já que, em determinado instante, há a revelação de que, assim como os personagens de Pugh e cia., ela também não passa de uma pessoa atormentada por seus próprios traumas do passado.
O Sentinela, vivido pelo ator Lewis Pullman, a partir disso, é outro acerto desse enredo. Ele talvez seja a maior dessas vítimas das manipulações da diretora da CIA, até que sua situação sai de controle — e o embate dos Thunderbolts contra esse poderoso oponente passa a ser uma simbologia sobre saúde mental e sobre como a união e a busca por ajuda fazem a diferença quando o assunto é lidarmos com nossas próprias questões. Sobressai, quanto a isso, como o caminho para a resolução do conflito-chave da parcela final do longa foge de um embate de proporções épicas e catastróficas, como já visto em incontáveis produções de heróis. Essa fuga do genérico pode soar clichê ou piegas, mas, a essa altura, o filme sabe criar essa conexão entre o espectador e os protagonistas — seja com flashbacks ou diálogos de desabafos individuais —, e o todo se torna satisfatório.
Assim, o maior acerto de Thunderbolts* é fazer desses heróis B indivíduos palpáveis para o público. Afinal, no fundo, eles são como qualquer um de nós. Além de não possuírem nenhum superpoder em específico, na maior parte do tempo seus maiores oponentes são seus próprios vazios existenciais e a busca incessante por uma forma de lidar com eles. O novo longa da Marvel pode não ser perfeito, mas com certeza possui mais camadas e acertos do que a maioria das produções vistas nos últimos anos.