
Crítica - "Superman" de James Gunn concilia lado inocente, política e nerdices com timing certeiro
6 min.
09/07/2025
Guilherme Salomão
Em 1978, o slogan da primeira grande produção de heróis para os cinemas, “Superman: O Filme”, era “Você vai acreditar que um homem pode voar”. Promessa de um feito inédito e grandioso para uma época em que os blockbusters ainda tomavam forma no cinema americano.
Em 2025, passados quase 50 anos desde que o projeto de Richard Donner fez sua estreia nas telonas, a frase que o diretor e chefão do DC Studios, James Gunn (Guardiões da Galáxia), escolheu para a produção que marca a estreia de uma nova fase da DC Comics no cinema é “Olhe para cima”. Depois de anos de instabilidade criativa, o empenho, agora, repercute como uma renovação das realizações da DC e de um gênero que parece ter perdido um bocado de seu apelo para o grande público nos últimos anos.
É simbólico, tanto para o filme de 78 quanto para a empreitada de Gunn, começar com uma adaptação logo do maior herói de todos: Superman. Um ícone de esperança e, nas palavras de Christopher Reeve, intérprete do herói no longa de Donner, “um amigo”.
Talvez seja cedo para dizer se “Superman” cumpre com essa sua ambição. Afinal, ele é apenas o início de algo maior. Porém, sob a ótica de um começo em si, e se limitando a ela puramente, é legítimo defini-lo como um bom pontapé inicial.
O filme ainda tem seus vícios e sintomas da necessidade mercadológica de, justamente, apontar para futuros por meio de referências ou participações especiais, onde o que vem a seguir sempre soa como prioridade. Mas é interessante como James Gunn até mesmo consegue contornar alguns desses sinais. As cenas pós-créditos, por exemplo, não necessariamente prometem novas produções, mas sim fazem piadas com situações do próprio filme.
Além disso, é um frescor assistir a uma produção de heróis que recupera cores, cenas bem iluminadas, saturação no lugar de filtros escuros, e um lado mais cartunesco para sua caracterização no geral. Esse é o primeiro dos grandes acertos: trazer uma produção do Superman que se permita ser mais caricata, recuperando, junto a isso, a imagem do bom moço, a bondade e a empatia do indivíduo que se importa com tudo e todos. A história se dedica a exaltar e deixar isso bastante claro enquanto o personagem atua diante dos olhos de seu espectador.
Além de recuperar essa inocência, “Superman” é, acima de tudo, o filme do nerd se divertindo com suas nerdices. Mas de uma forma inteligente, em que tudo se encaixa em um timing ótimo, de quem sabe trabalhar com referências sem que elas soem como algo óbvio ou forçado. Se muitos desconfiavam que esse poderia ser um longa inchado de personagens e situações por conta dos trailers, ele, de certa forma, é. Mas Gunn sabe lidar muito bem com cada uma dessas peças. Todas estão no seu devido lugar, se resolvem ou cumprem sua função em algum momento — incluindo as participações de outros heróis da DC, como o Lanterna Verde Guy Gardner (Nathan Fillion), a Mulher-Gavião (Isabela Merced), o Senhor Incrível (Edi Gathegi) e o próprio Krypto, o simpático cachorro que chamou atenção nos trailers e materiais de divulgação.
O elenco, nesse sentido, é um acerto. A Lois Lane de Rachel Brosnahan e o Clark Kent/Superman de David Corenswet se complementam por serem, justamente, opostos — ela, a questionadora sagaz e ativa; ele, o inocente mais purista. Se a química e o carisma do casal protagonista nasce disso, dessa interação que alterna entre conflito, diálogo e romance em belas cenas, o antagonismo certeiro do Lex Luthor de um raivoso Nicholas Hoult surge de sua clássica questão para com o Homem de Aço: o ódio por conta da paixão das pessoas por ele. Pelo “deus” que Luthor jamais será, apesar de sua inteligência.
É um equilíbrio muito bem-vindo entre tudo e todos, que faz nascer um espírito de aventura em meio a um ecossistema divertidíssimo de personagens. Uma aventura de heróis autêntica, que até se permite ser cafona e brega, fazendo piadas que ironizam essa sua própria natureza — como a aparência de certos personagens, termos e nomes de equipes ou aparatos e até o próprio disfarce do Homem de Aço como Clark Kent.
A liberdade também se reflete no nerd com apreço pelo cinema. O resultado não se limita apenas à fotografia que, como dito, quebra o tom predominante na produção contemporânea em sua ausência de vida e vigor. Mas também em uma ação que compreende a presença da câmera e da montagem enquanto dispositivos. A câmera de Gunn circula pelos acontecimentos com total liberdade, refletindo mais uma vez o estilo “livre” de seu diretor com peso e dinamismo, mas ao mesmo tempo leveza. Os cortes da montagem, por sua vez, evitam o caos. É um filme em que todo esse lado também é bem resolvido, compreendemos tudo o que acontece com clareza.
Em meio a isso, o roteiro de Gunn também não abandona um lado “moderno” para o super-herói criado por Jerry Siegel e Joe Shuster em seus temas e conflitos. Nada é retratado de forma desnecessariamente ambiciosa ou fora de tom com a abordagem. Há uma discussão política no filme, numa representação explícita e até simplória de conflitos políticos como Israel e Palestina e Rússia e Ucrânia, que, por sua vez, são os motes que levam o “Último Filho de Krypton” a enfrentar questões morais a partir de uma orquestração dos vilões da trama. Qual seria o papel desse bom moço em um cenário contemporâneo? Poderia ele parar uma guerra sozinho? Quais seriam suas reais intenções em relação à humanidade? Salvação ou condenação?
James Gunn está disposto a responder isso com paletas vibrantes e otimismo. Com a capacidade do Superman de amar, seja Lois Lane ou os habitantes de Metrópolis como um todo. Com sua criação por seus pais adotivos no Kansas, o casal Jonathan (Pruitt Taylor Vince) e Martha Kent (Neva Howell), como canalizadores de sua essência bondosa, independentemente de suas origens no seu extinto planeta natal.
São nesses momentos, inclusive, em que a realização se permite ser sensível e adentrar a fundo em emoções. Seja a partir de um close no símbolo do herói, do retorno da icônica música tema de John Williams enquanto o mundo clama por um salvador ou de um diálogo sentimental entre ele e seu pai adotivo. Afinal de contas, é isso que faz desse alienígena vindo de Krypton mais humano do que pode parecer. Essa compreensão, e o fato de equilibrar tão bem tantos elementos, salientam o êxito dessa nova releitura de Gunn à frente do azulão.