Crítica — “O Brutalista” é proposta ambiciosa sobre a falência do sonho americano, ainda que não tão eficiente como tenta se vender

Crítica — “O Brutalista” é proposta ambiciosa sobre a falência do sonho americano, ainda que não tão eficiente como tenta se vender

5 min.

18/02/2025

Guilherme Salomão

Indicado a 10 prêmios do Oscar 2025 e vencedor do Leão de Prata de Melhor Direção no Festival de Veneza 2024, O Brutalista, de Brady Corbet (Vox Lux, 2018), narra a história fictícia de um arquiteto húngaro chamado László Toth (Adrien Brody). Em 1947, ele foge de uma Europa devastada pela guerra em busca de um novo começo na América ao lado de sua esposa, Erzsébet (Felicity Jones). Por lá, sem imaginar os percalços que enfrentaria em paralelo, ele aceita a oportunidade de projetar para um industrial rico chamado Harrison Van Buren (Guy Pearce) um grandioso monumento modernista que poderá restabelecer seu prestígio e carreira.

Logo na abertura de O Brutalista, o primeiro vislumbre que o arquiteto interpretado por Adrien Brody tem dos Estados Unidos é o de uma Estátua da Liberdade que aparece invertida no enquadramento da direção de Brady Corbet para o espectador. Um plano muito simbólico, que dita bastante do que acompanhamos no restante do filme. Um judeu refugiado no país, o que o protagonista encara, desse momento em diante, é justamente uma nação de valores invertidos — o oposto da imagem de liberdade e oportunidade vendida para o mundo, onde, na verdade, ele e seus talentos são vistos apenas como instrumentos das elites oportunistas e exploradoras.

O restante das quase quatro horas de filme parece querer, acima de tudo, salientar essa imagem de uma América moderna que foi forjada à base da exploração dos talentos de seus imigrantes enquanto, em paralelo, esses eram vistos como ralé por muitos — sobretudo por meio da relação entre a figura do industrial interpretado por Pearce e o próprio László de Brody.

No filme, Lászlo vive uma série de episódios que vão do vício em drogas às demissões, mentiras inventadas por seus próprios familiares e oposições ao seu trabalho vindas de diversos lados da história. Porém, a questão da exploração e do aproveitamento intelectual é mais focada na relação da dupla, com o filme fazendo questão de inserir um epílogo que mostra o personagem de Brody como alguém com um legado a ser lembrado, enquanto seu patrão, um escrupuloso por essência que abusa de todas as formas possíveis de Toth, ao não ter seu destino revelado com clareza pela obra, fica subentendido que foi destinado ao esquecimento.

Filmado em VistaVision e película 70mm, o longa começa com uma overture e ainda conta com um intervalo de 15 minutos. Com essa estrutura — somada a uma trilha sonora que insere acordes grandiosos em momentos específicos — a ideia de Corbet é vender o ideal de um épico americano nos moldes dos filmes de William Wyler ou Cecil B. DeMille, que marcaram o período clássico de Hollywood. É uma pena que, ao longo da projeção, sejam poucas as imagens tão simbólicas quanto o plano da abertura com a Estátua da Liberdade em destaque.

Enquanto a trajetória de László Toth é moldada, há alguns poucos planos gerais que se abrem para exaltar paisagens, cenários ou as estruturas elaboradas por ele por meio do estilo arquitetônico brutalista que nomeia o filme. Apesar de belas aos olhos do espectador, essas são imagens, ainda assim, não fazem jus a toda essa ambição épica que o filme tenta tanto vender. O restante da encenação, ainda que preserve um lado mais clássico dos épicos americanos, é burocrático, à base de plano e contraplano, planos médios enquadrando os personagens ou com o recurso da câmera na mão nos momentos de tensão que soam manjados.

Esse fator fica ainda mais evidente na segunda parte. Enquanto a primeira parcela da projeção se sustenta bem com esses recursos para moldar a jornada de László, de seus altos e baixos até atingir um projeto que possivelmente materialize o ideal do “sonho americano” para um imigrante, a segunda — mais focada na queda desse ideal — se entrega a um drama mais novelesco, repleto de decisões e ideias forçadas, de mau gosto ou apenas mal exploradas para o espectador — como uma trama de abuso sexual envolvendo o protagonista (que chega para fortalecer a ideia do imigrante/figura de Toth como algo a ser explorado) ou os conflitos dele com sua esposa como resultado do uso de drogas ou do desejo súbito de deixar os Estados Unidos.

O que mantém essa segunda metade com pontos ainda interessantes é a entrega de seu elenco — principalmente a dupla Adrien Brody e Felicity Jones. Ainda que, no início dessa segunda metade, o reencontro do casal seja um momento que deixe a desejar em termos catárticos, a relação subsequente dos dois ainda funciona por conta da decadência física e mental de László, que é bem canalizada nas expressões de Brody, e pelo sofrimento físico devido à osteoporose também bem moldado pelo trabalho de Jones — com ambos concorrendo aos prêmios de Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente.

Assim, com uma conclusão aberta, que evidencia a falta de uma ideia sólida para essa segunda parcela perdida em várias subtramas, Brady Corbet recorre justamente ao supracitado epílogo da história. A ideia, como dito, está lá, mas não deixa de soar como uma decisão apressada para encerrar a narrativa a qualquer custo. No geral, a ambição de O Brutalista é interessante, mas são poucas as suas imagens cheias de pompa (ou até mesmo as mais burocráticas) que conseguem realmente construí-la.

Continua após a publicidade:

Notícias populares

Continua após a publicidade:

Continua após a publicidade: