Crítica — Entre o gótico e o exagero, “Nosferatu” de Robert Eggers é releitura que brilha quando lida diretamente com seus monstros
3 min.
05/01/2025
Guilherme Salomão
Lançado em 1922, “Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror” se tornou um dos grandes clássicos da história do cinema. Expoente do expressionismo alemão, o filme (e o movimento em questão) foi seminal para as origens do cinema de horror como um todo. A obra — que originalmente seria uma adaptação de Drácula, de Bram Stoker, mas não foi devido à ausência dos direitos autorais — ganhou releituras ao longo das décadas. Uma das mais famosas foi a de Werner Herzog, em 1979. Agora, o filme ganha mais uma adaptação, comandada por Robert Eggers, diretor de A Bruxa (2015), O Farol (2019) e O Homem do Norte (2022).
A versão de Robert Eggers, que reimagina a história clássica mais de 100 anos depois de sua primeira versão, é um longa de altos e baixos. A trama segue a base do filme de Murnau: na Alemanha do século XIX, acompanhamos o misterioso Conde Orlok (Bill Skarsgård) em sua busca por um novo lar. O vendedor de imóveis Thomas Hutter (Nicholas Hoult) fica responsável por conduzir os negócios de Orlok e viaja para as montanhas da Transilvânia para resolver as burocracias da nova propriedade do vampiro. Entretanto, Orlok nutre uma obsessão por Ellen (Lily-Rose Depp), uma mulher atormentada e esposa do próprio Thomas.
Nosferatu funciona muito bem quando foca diretamente em sua figura-título, mais do que em qualquer outro aspecto. O visual concebido para o personagem, interpretado por Bill Skarsgård, traz um bigode peculiar e detalhes repulsivos no trabalho de maquiagem, que deforma o ator por completo. Além disso, Robert Eggers é um cineasta com um cuidado visual evidente. Em sua versão da história centenária, as sequências oníricas, fotografadas em tons gélidos de azul e branco, o detalhismo na decupagem e na movimentação de câmera, e as lareiras cujas chamas se projetam no castelo de Orlok são elementos que rapidamente chamam a atenção do espectador ávido por um trabalho de terror atmosférico e fãs da estética do diretor.
O elenco é outro acerto, garantindo o peso dramático das aparições sempre bem conduzidas por Eggers. Além de Willem Dafoe como Professor von Franz — que serve quase como um alívio cômico — frente ao monstro, Nicholas Hoult entrega algumas das melhores expressões de horror do cinema em 2024. Já Lily-Rose Depp, com sua expressividade apática (no melhor sentido da palavra), usa seu rosto pálido e olhos caídos para criar o peso da conexão entre Ellen e Nosferatu — algo que recebe bastante destaque nesta versão.
Porém, é quando o filme decide ir além do monstro que a execução se torna, em momentos, arrastada. A proposta de ser um filme robusto, que esbanja técnica e aprofunda temas e acontecimentos da história original, se dilui quando Eggers insere simbolismos e analogias característicos de sua filmografia, como se Nosferatu carecesse de sutileza ao abordar temas como a possessão e rituais religiosos associados à figura do vampiro. O excesso nos diálogos, o tom teatral das interações e até a violência gráfica soam deslocados. Embora o gênero permita essas escolhas, muitas vezes esses elementos parecem fora de tom. É peculiar que, em um filme dirigido por alguém tão cuidadoso, algumas imagens se revelem tão vazias em contraste com outras tão significativas.
A conclusão, entretanto, é bastante satisfatória e prova que o melhor do filme está no embate direto entre Nosferatu e os personagens. É nesse contexto que o senso estético gótico, soturno e, por vezes, poético de Eggers realmente se sobressai em meio às divagações mais pretensiosas por substância. São cenas como o plano-sequência da sombra de Nosferatu subindo as escadas ou o plano zenital final do vampiro e Ellen pós-clímax que revelam um diretor verdadeiramente apaixonado pela história que conta.